segunda-feira, 29 de maio de 2017

A FAMÍLIA NO SÉCULO XXI – NOVOS MODELOS FAMILIARES

Conforme já  analisado, a sociedade complexa globalizada e tecnológica desenvolvida a partir do último quartel do século XX projetou e difundiu novos modelos familiares que passaram a exigir um novo tratamento jurídico, não dispensado nem pela Constituição Federal de 1988 e muito menos pela Lei 10.406/02 (Código Civil), cujo projeto embrionário remonta ao longínquo ano de 1969. Naquela ocasião e até em 1988, não era possível imaginar que rápidas transformações exigiriam uma reconstrução jurídica em torno de novos aportes familiares a fim de atender anseios cada vez mais acalentados.

Com base no modelo filosófico-jurídico que visa dignificar a pessoa humana, resguardando-lhe direitos sociais e individuais, estabeleceu-se a noção de que a tolerância deve permear todos os vínculos familiares estribados pelo afeto. Cria-se, a partir desse momento, uma visão plural da família, passando a Constituição a ser piso mínimo também nos modelos familiares fixados no artigo 226, de forma a recepcionar todo e qualquer modelo que compatibilize com a reinante interpretação conforme a Constituição.

Nessa linha de raciocínio mantém vigentes os velhos modelos familiares, passando apenas a recepcionar novas figuras, buscando harmonizar novos e velhos paradigmas sob os princípios da igualdade, da liberdade, parentalidade, conjugalidade, sem descurar dos paradigmas de responsabilidade e vinculabilidade de todas as relações.

De maneira didática, é possível elencar os seguintes modelos de família:

1ª) matrimonial – sem sombra de dúvida é o casamento o principal aporte constitutivo das relações familiares. Não é dessarrazoado verificar que a Constituição Federal de 1988, pelo menos de forma topográfica, fixou o casamento como a principal espécie constitutiva de família, tanto que no artigo 226 destinou os dois primeiros parágrafos a tratar do instituto sob o prisma da acessibilidade (civil, gratuito e religioso) de forma a proteger as raízes históricas do instituto que se tornou litúrgico a partir do Concílio de Trento (por volta de 1550 A.D.).

Conforme ampla análise traçada nesse espaço, o casamento foi durante muito tempo o único modelo constitutivo de família, o que gerava uma série de problemas para outros vínculos então emergentes, postos à margem do Direito e até da sociedade.

O próprio casamento sofreu muitas mudanças no seu perfil passando de instituição a contrato, porém, sem constituir um vínculo propriamente econômico, porém, garantindo autonomia da vontade para a constituição e extinção da referida sociedade. O Estado passou a apenas regular efeitos básicos da referida sociedade. O homem deixou de ser o patriarca da família e passou a dividir com a mulher os encargos, direitos e responsabilidades para com os filhos, gozando todos de igualdade na medida de cada papel a ser exercido nessa relação.

2ª)  união estável – o Estado passou a proteger a união duradoura, pública e contínua entre um homem e uma mulher desde que nenhum deles estivesse sob o casamento vigente. É a famosa união estável ou concubinato puro, que sem afrontar o casamento, passou a proteger uma união estabelecida entre um homem e uma mulher que visa a constituição de família. Abarca desde pessoas que não querem formalmente se casar até aqueles que estão separados de fato e que não podem constituir um vínculo formal antes de se estabelecer um divórcio. A única restrição é que as partes não podem se unir caso apresentem impedimento para o casamento, o que significa, por exemplo, se o genro viúvo vier a morar com sua sogra também viúva, não gozarão da proteção conferida à união estável porque estão impedidos de converter a referida união em casamento (art. 1723 e § 1º, CC).

Duas correntes existem no que diz respeito a ter a união estável o mesmo status do casamento e gozar, por conseguinte, dos mesmos direitos:


corrente isonômica – segundo a referida corrente, a união estável tem exatamente os mesmos direitos e obrigações do casamento pela adoção do princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF), de forma que todos os dispositivos legais que distinguem as relações são inconstitucionais.
corrente tradicional – entende como interpretação literal ao próprio artigo 226, § 3º da CF de que a união estável anterior ao casamento, na medida em que “… , devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A lei facilita a conversão sob a ótica formal, suprimindo a celebração e, sob a ótica material, conferindo menos direitos que para o casamento.
3ª) concubinato – é a união estável de pessoas impedidas de casar (art. 1727, CC). São relações não eventuais ou de pessoas efetivamente casadas ou de pessoas que jamais poderão converter a sua união em casamento pela existência de impedimentos para tal. De acordo com o Projeto de Lei 2285/07, encaminhada no dia 25 de outubro de 2007 ao Congresso Nacional, mesmo a relação concubinária gera, segundo o seu artigo 64, parágrafo único, os deveres de assistência e a partilha de bens. Dessa maneira, o concubinato passa a ser de competência da Vara de Família, valendo-se das regras gerais das relações familiares e não da velha e obsoleta Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal.

Muito embora a relação concubinária não seja estimulada, tem sido adotado ao longo dos séculos e precisa ter um tratamento diferenciado na medida em que envolve vínculo de afeto, além de muitas vezes abranger problemas relacionados a filhos.

4ª) homoafetiva – de acordo com o artigo 68 do Projeto acima mencionado, “É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável”. Segundo o parágrafo único do referido artigo passam a ser conferidos direitos de adoção, previdenciário, sucessório, além da guarda e convivência com os filhos. Portanto, equipara à união estável, gozando de ampla proteção constitucional à referida união.

5ª) monoparental – o artigo 226, § 4º da CF protegeu a entidade familiar constituída por qualquer dos pais ou seus descendentes. É a situação normalmente de pessoas cujo casamento foi dissolvido e que passam a se vincular exclusivamente com a prole. Muito embora tenha havido omissão por parte do Código Civil, por isonomia são aplicados todos os preceitos necessários ao bom desenvolvimento da referida sociedade. O artigo 69, § 1º do Projeto apresenta a família monoparental como espécie de família parental e aplica, por força de lei, a equiparação às demais entidades familiares.

6ª) família pluriparental – é aquela constituída por pessoas egressas de casamentos desfeitos. Configuram situações em que pelo menos um dos genitores possui filhos anteriores, porém, normalmente, ambos possuem filhos anteriores de forma a constituir um mosaico de relações. O artigo 69, § 2º do Projeto, estabelece “Família pluriparental é a constituída pela convivência entre irmãos, bem como, as comunhões afetivas estáveis existentes entre parentes colaterais”. Dessa maneira, o padrasto passa a gozar de uma série de direitos e obrigações nessa nova ordem familiar.

7ª) anaparental – é a convivência entre parentes ou não-parentes de pessoas que têm objetivos comuns fora do modelo clássico de união. É o caso de dois primos unidos com propósito de amealhar bens, constituindo uma verdadeira sociedade, muito próxima das relações monoparentais.

8ª) eudemonista – é a união de pessoas que visa à busca de felicidade, tanto individual quanto coletiva. Visa a não coisificação da pessoa no bojo das relações familiares.

9ª) união livre – é a possibilidade de pessoas estarem ligadas, porém, não desejando a incidência de obrigações. Hoje, muitas vezes, vem traduzido pelo contrato de namoro. Abarca situações de pessoas que realmente estão em fase embrionária de relacionamento, mas também por aquelas que convivem há muitos anos, todavia, não desejando que o vínculo surta conseqüências jurídicas. Atualmente, a discussão gira em torno da validade e eficácia de contratação nesse sentido.

10ª) uniões plúrimas – existe, ainda, a situação de pessoas que possuem múltiplas relações conjuntas, consentidas ou não, sob o mesmo teto ou não e que geram diversas implicações não podendo o direito ignorá-las.
Diante desse quadro, é bom repensar a nova ordem familiar a fim de garantir a correta aplicação do sistema jurídico para que nenhum desses modelos fique à margem das novas dimensões da família.

Osvaldo Teles

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